domingo, 15 de junho de 2008

Ouço um piano imaginário quando toco com os pés a calçada. Volto da praia descalça, vejo as teclas no calçadão preto e branco de Ipanema. Ando com ritmo até o piso só ter uma cor.
As folhas me acompanham virando para o lado que eu vou. A brisa me expulsa até eu virar a esquina e o vento não ter força para me levar.
Os turistas coloridos confundem o inverno com o verão, trazendo hibiscos em suas camisas de botão. Também não combino as roupas desta estação, desfilando de biquíni e canga nas horas impróprias enquanto alguns usam ternos.
Passo mais tempo aqui; conheço as ruas pelo nome, mas ainda faço bafo na vitrine inventando moda de querer levar cada estampa para casa como lembrança.

Olhou-me dentro dos olhos. Estava vazio de consciência, vazio de som.

Por um segundo hesitei não ir. Aquele silêncio era despedida; de mim ou dele mesmo. Teria ele mudado? Não me levava nos olhos.

Mantive o ar sereno, estalei um beijo oco na boca, torcendo para não ser a última vez.

Saí do carro com a sensação que o havia perdido. Refleti sobre meus erros, pequenos demais para deixá-lo daquele jeito. Dei a volta sem entrar em casa. Num súbito momento tentei encontrar a felicidade dentro dos últimos dias. Já não era um sentimento bom. Pensei em ficar sozinha antes que ele mudasse, mas quis enganar a vontade pensando em orgasmos verticais, mãos dadas e telefone tocando a música que eu escolhi para saber que era a voz dele que eu escutaria.

Eu havia ido embora muito antes, e agora me fazia de vítima. Recompus a idéia, trocava de papel com ele para saber se eu também o encarava com um vago olhar e descobri que era o reflexo do que eu estava sendo. Fomos embora juntos.

sábado, 14 de junho de 2008

Acordou entre a caçamba de lixo e o meio fio. Estava largado, anestesiado pelo etílico que não o deixava acordar nem mesmo com o sol rachando as pálpebras.

Podia ouvir o roncar do estômago. Parecia um cretino, lerdo. Acordava com o barulho da fumaça entrando pelas narinas. Tossia como um tuberculoso.

Mimetizava com o asfalto, sujo como a calçada. As calças eram feitas de buracos de diversos tamanhos, em qualquer outro corpo faria sucesso, mas não havia pernas suficientes para preencher o vão do tecido gasto.

Roubaram os acentos do meu dicionário! Levaram a fonética junto com a regionalidade.

Uniram os países em pedaços, mas nenhum se reconhece na nova forma de escrever a história.

Fragmentaram as diferenças. È bom ter origem, é dela que tudo se modifica. Imagine hoje falar latim, contar piada com palavras gigantes. Não faz sentido fazer livro se ninguém vai ler.

O Aurélio vai ser extinto? As crianças realfabetizadas? Tempos verbais simplificados?
Inteligência burra! Cortar palavras em país de neologismo. Cortaram árvores à toa. Dicionário novo enfeita estante.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Eu quis descrever a saudade e seus reflexos, até alguns sintomas. Altos e baixos, sobre o egoísmo de querer você para mim, com a sensatez de que não seria certo.

Eu disse adeus como um até breve. A despedida pareceu corriqueira e tão logo seria finita, com um previsível sorriso amistoso anunciando um novo dia. Dessa vez a espera é longa e merecida.

O valor das coisas varia com a distância. A lei da oferta e da procura parece encaixar-se perfeitamente neste perfil. É mesmo caro fazer interurbano, mas somente a voz parece não preencher o vazio, muito menos supre o saudosismo.

As tardes são longas como nunca foram. É adequado ressaltar, que não perco o tempo, somente o sono com a ausência. Há longos anos pela frente para dividir a cama, entrelaçar os sonhos ou realizá-los.

Eu estava psicologicamente preparada para algumas semanas. Estava completamente enganada em poucos dias.

Facilmente um sentimento nos faz reféns. Uma chantagem musical, ou uma tortura telefônica seria o bastante para cair em pranto. Eu sempre achei o choro perda de tempo; preferi somar as lembranças para sentir de perto as sensações. Elas ainda são frescas.

Antes de abrir os olhos e ir logo saltando da cama, desejo com tanta vontade sua felicidade plena, que me abasteço de tão nobres sentimentos que acabam por me beneficiar também. Aquelas lindas flores eu dedico a você. O cheiro de dama da noite remete a uma nostalgia passageira. Os vestidos que usei para estar à sua altura parecem carregar seu cheiro para onde quer que eu os leve. São doses homeopáticas da sua companhia.

Como em uma prece, torço para que as horas sejam relativas, tendo a missão de findar a saudade do ninho e ao mesmo tempo cabendo o encargo de correr tão rápido para não transformar a saudade que sinto em melancolia.

domingo, 8 de junho de 2008

È carta fora do baralho. Aposte suas fichas no que crê ter valor. Crie valores tão relevantes que te impulsione a executar tal fato. Seja civilizado a ponto de mudar de calçada. Um compasso que mira o bom senso um a um. Um coração que agoniza preso pelas amarras que lhe deram. Delatando que a maldade não tem limites, e que alcança a anunciação.
Pobres aqueles que acham graça no estado deplorável do paradoxo de exigir respeito cometendo o erro de driblá-lo com tanto afinco.
Desejo em pranto que as coisas tenham mais valor, que valha a pena exorcizar as banalidades que atravessam nosso caminho. Que assim seja, diferente da imagem, do reflexo funesto que perturba meus dias.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Aninhe-se em meu corpo e grite!
O medo não pode impedir o ar de passar. Antes que lhe sufoque, ponha-o para fora, ou ele se entranha dentro do seu corpo.
Não minta! Seus olhos já não estão atentos, todo movimento brusco arregala suas pupilas. Não tenha medo de dizer.
Em cada instante que passa, estar parado assusta. Será que ainda lembra que prometeu me proteger? Quem cuida de você?
Grite! Não comigo! Ponha para fora o silêncio, a vontade de dizer quando a hora se torna imprópria. Ainda escuto você! Mas você acredita no que ouve?

domingo, 1 de junho de 2008

Há dias em que acredito que a música mora dentro de mim. Cada acorde que imagino ganha forma em minha voz miúda. Desconheço o que me move desta forma. Talvez eu me decifre em melodia, entre agudos e graves.
Gosto de sotaque do nordeste, sem dar importância se é minha origem, apenas gosto. Eu não pronuncio as vogais como soam onde vivo, ou de onde minha genética surgiu. Canto as palavras.
Em momento algum disse que cantava bem. Somente em dias inspirados, sambo ao som de Maria Rita.
Os sábados são de festa. Encaixo algum refrão para tal conversa. E quando os declamam, parecem ter sido feitas por mim. A música já não tem dono.