sexta-feira, 8 de novembro de 2013

De repente secaram as bicas. Primeiro as torneiras da cozinha, depois, o banho só se fazia de mar. A princípio ninguém se ateve a esse detalhe, todos contavam com a expectativa da água voltar no final do dia a encher as caixas d´água. Para imensa surpresa, a água não encheu os canos, nem mesmo a chuva inundou o céu.
O noticiário foi impedido de contar o trágico fato para controlar o desespero. A boca seca causava certo mal estar, entretanto, as reclamações eram pequenas em relação à grandeza do problema e isso censurava qualquer palavra por enquanto.
Os engenheiros puseram-se a pensar em alguma solução. Os químicos pensaram no dinheiro capaz de ser gerado com oxigênio e dois hidrogênios, mas um conselho de ética limitou a ganância contida nos jalecos.
Após todas as opções se esgotarem e até o mar diminuir de volume, uma ideia cresceu no vazio. Diante da amargura de uma vida seca, milhões choraram de tristeza. Cada gotinha preciosa que caía, evaporava ao tocar os lábios secos. Devido à extrema necessidade, as lágrimas passaram a valer muito. 
Lotaram salas de cinema com filmes de Titanic e horrores do holocausto. As lágrimas escorriam num recipiente onde eram coletadas. Crianças recebiam susto para abrirem o berreiro. Testaram as bombas de gás lacrimogênio, porém, certa substância tornava a lágrima imprópria e as autoridades viram que teriam que buscar outras alternativas ainda mais eficazes.
Passaram-se alguns meses, e a população fazia rodízio no apanhador de lágrimas. Aos poucos, cada lágrima lançada era mais escassa. O costume seca, como uma vacina que previne das mazelas. As matanças não surtiam mais efeito, os amores não emocionavam mais. Apáticos, um exército de olhos esgotados olhavam para o horizonte, onde quer que ele fosse, sem uma direção. A tristeza não causava mais efeito.
 Um homem ousou expor uma nova tentativa, fez o reverso de tudo já visto. Lançou mão do seu jeito abobalhado e se debruçou no primeiro menino que viu, fazendo uma graça. O efeito foi imediato. Riu, e rindo via-se brotar dos olhinhos pequenos duas gotas da mais salgada lágrima, ainda mais preciosa.
De tanto sofrerem, sem enxergar saída, ao se depararem com a risada que rompia com o sisudo silêncio de quem perde as esperanças, ocorreu o imprevisível. Como se alguém tivesse acabado de contar uma piada infalível, todos começaram a rir e os cachorros latiram em alguma concordância. As lágrimas voltaram a ser suficientes para hidratar os corpos já enrugados.
De fato, dias depois, os mais importantes perceberam que fazer rir era muito mais difícil que fazer chorar. Os melhores comediantes foram requisitados em auditórios para fazer chorar de rir, esses também sorriam, pois, haviam dado adeus ao desemprego que passaram por aqueles meses atrás.
De um dia para o outro, da mesma forma que alguém secara a água, derrubou um temporal sobre o chão, a encher as folhas murchas de cada plantinha, como se alguém houvesse simplesmente esquecido de molhá-las.

domingo, 28 de julho de 2013



Segurou os olhos com força. Não podia acompanha-lo, caso o fizesse ficaria claramente constrangida. Esse era o seu problema; uma vergonha sem pudores que não lhe abria exceções. Era só falar em público que as mãos pareciam derreter, frias como recém falecidos e os olhos afundavam em olheiras sem fundo.

Precisava de um tratamento violento, com aparições no palco, dedicações ao microfone. Era isso, ou o silêncio quando ele enfim se aproximasse. Não podia perder essa chance quando ela chegasse.

Cumpri minha palavra, gritei seu nome logo na entrada, para que soubessem quem era ela. Ela começou a nutrir certa intolerância, mas depois me agradeceria, quando curada desse mau comportamento.

Deixei cair o prato no refeitório para que todos os olhos se projetassem nela. E a fiz gostar pouco a pouco da plateia. Ficava cada vez menos vermelho o rosto, um rosa escuro, talvez. Visivelmente o tratamento começou a fazer efeito.
Não acompanhava mais o aspirante a médico. Passou a acompanhar o que lhe passasse a vista, moreno ou loiro.
Foi assim que a curei da timidez severa, com holofotes, gritaria e com eficácia garantida.


Não sabia por onde começar. Ela tirava adjetivos de onde ninguém havia visto.

Para o imenso nariz, destacava-lhe o olfato. Sentia e sabia todos os perfumes dela. Mesmo depois de uma cirurgia que prometia corrigir o desvio de septo era impossível  não notá-lo a priori.

Ela o ameaçava com a beleza fina dos longos cabelos loiros, com os olhos esverdeadamente azuis ou azuladamente verdes. Eu dizia o quanto assustavam no as investidas. Toda delicadeza lhe caia em tom de maldade, judiaria. 

Nem nos sonhos aquele homem pequeno do nariz grande poderia pensar nas tentativas dela de ser clara.Ela por sua vez, com os adventos da modernidade, perseguia todas as fotos, foi assim que conseguiu ver sua natureza mais antiga, antes dos procedimentos cirúrgicos.
Como levar adiante um relacionamento desproporcional no quesito beleza? Em todos os outros podia se equivaler, mas esse...nunca. 

Ele treinava mostrar seu troféu aos amigos. Ela desfiava elogios e o chamava tão carinhosamente de feio que até bonito ficava na descrição mais eufemista possível.
No dia, de encontro marcado, decidiram se enfiar no lugar mais escondido onde ninguém faria comparações ou medidas, mas quando todos deram falta de ambos, ficou claro o motivo.
Combinaram a separação, cada um para um lado a fim de disfarçar. Mas o resumo da história chegou ao fim e não sou mais eu dona dela.

terça-feira, 26 de março de 2013

Sobravam-lhe conselhos. Dos mais diversos possíveis. Dormia com eles a dar marteladas de madrugada. Infalivelmente acordava sem solução.

Arrumava o santo. Dava-lhe presentes até. Colocava uma santa por perto para que pudesse se distrair imaginando o que existe debaixo de todo o manto.

Santo Antônio não cooperava. Aliás, fazia hora extra. Um exemplar funcionário divino que não concede apenas uma graça, mas muitas desgraças pelo caminho.

Já havia trocado de chip três vezes ao menos para afugentar os pretendentes que deixavam o celular inquieto. É que seus ex- amores anunciavam seus dotes como em uma leilão de vacas, dando medidas e adjetivos que nem Camões poderia supor. Nem era tão bonita.

Relatavam em superlativo os risotos, as tortas de maçã. Descreviam cremes a derramar da taça. Nunca contaram a verdade sobre o arroz queimado ou a regra do assopro dos cinco segundos. Dessa maneira, faziam propagandas enganosas para encorajar desesperados que almejam casar e procriar.
Ontem, apelara para o horóscopo. Não poderia ser verdade! Sem cortar palavra dizia que o amor bateria à porta. Isso era óbvio! O amor já havia batido na porta tantas outras ocasiões. O equívoco estava em querer tudo ao contrário.

Almejava a solidão. O choro guloso que engole um pote de sorvete pela rejeição. Em contrapartida, em incurável procura havia lhe tirado a fome. Emagrecia a olhos vistos, cabendo nos menores vestidos para o deliciar masculino.

Por ser extremamente obsessivo, descartava a hipótese de se vestir desleixadamente com medo de atrair o outro time e por consequência aumentar o problema.

Queria ficar só. Solita. E andar anonimamente sem que um pretendente lhe lançasse uma cantada puída.

Depois de muito esforço, inevitavelmente foi de encontro ao matrimônio para fugir das perseguições. Não bastara isso, teve também três filhos. Após tanta humilhação prometeu nunca mais fazer o buço e ir de burca aos comícios do Femmen para calar os seios desnudos que provocavam o sexo oposto.
Exercendo sua defesa, os norte coreanos despistam sua periculosidade com palavras agudas que ninguém compreende.

As ameaças são tão insignificantes que um pedido de desculpas mal escrito pelo roubo de cartão de crédito recebeu mais destaque que o anúncio de uma possível guerra. A própria China, enorme aliada, pede parcimônia nos ataques. Uma guerra branda. Uma guerra morna.

Sem ter notícias precisas, a mídia usa uma arma inovadora: ignorar. Sem dar relevância, também não cria alarde. O grito agudo some sem eco, desacreditado.

Haveria algo por detrás daqueles planos malignos? Uma conspiração talvez? Suicídio?
Teriam os coreanos e chineses pedido auxílio ao inimigo? Com população tão crescente e comida escassa precisavam de uma solução rápida e eficiente. Num esbravejar autêntico escondia um plano cênico e ensaiado. 

Uma bomba resolveria tudo. Ao fazer cócegas em território americano e piadas em território japonês, alcançariam a glória de fazer sobrar algum metro quadrado. Uma traquinagem perfeita com efeitos especiais para esquentar as capas de revista.

O desfecho? Eu não sei. Ainda estou lendo sobre a carta do cartão de crédito e pasme o ladrão pediu disculpas. Isso mesmo, disculpas com “i”. Nunca serão aceitas.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Nas segundas recorro a internas narrativas. Porque viera tão rispidamente? Onde enfiara-se o domingo onde não coube a praia nem tão pouco o açaí?

Cada vez os ponteiros se agitam com mais rapidez, tanta, que tenho que trocar as pilhas com tamanha frequência que logo chegará o horário de verão.

Quando mais nova entediavam-me as horas. Era obrigada a inventar distrações, ler livros, e inclusive fazer sentar à mesa todos os integrantes da família. Hábitos arcaicos perante a modernidade.

O teclado me abduziu inesperadamente ontem a noite. Enquanto digitava mensagens, o Fantástico já havia esgotado e automaticamente o despertador já tinha simplesmente despertado. Nem sinal de sono dormido, apenas a bateria descarregada.
Avançava com o carrinho em uma corrida que cortava os corredores do mercado. Esbarrava cinicamente no que se movia para se desculpar com candura. Os cabelos brancos permitiam-lhe tal atrevimento, justificando a ousadia.

Tudo era pensado na razão social. A solidão não cabia na própria sala ou na novela. O contato humano era necessário mesmo que premeditato como um crime. Roubar um toque era um vício sem preconceitos. Quando uma criança alinhava-se em sua direção os olhos demonstravam espasmos e a mão escorregava o suficiente para alcançar os cabelos.

A fila somente crescia, chegando até o setor de laticínios. Logo algum tranco roubava uma franca reclamação.

Enquanto os rápidos caixas demoravam, iniciava-se uma conversa doentia. Dores, artrites, lordoses, gases e lactobacilos vivos davam o tom escatologicamente engraçado à conversa.

O carrinho quase vazio anunciava o pretexto para voltar no outro dia para arrancar qualquer palavra que abafasse seu silêncio corriqueiro. A mesma conversa à espera dos caixas rápidos sempre demorados.