terça-feira, 22 de abril de 2008

Ele saiu, tive a certeza de que nunca mais o veria. Tive vontade de voltar, não para tê-lo, mas para deixar claro que é necessário viver só.

A felicidade existe se for compartilhada, imagine tê-la só para você, dando nome ao próprio prazer. Imagine acordar cedo, sem reclamar da hora, sem ter que dar motivo. Dormir a tarde tendo o compromisso com o próprio sono, e só.

Eu me pergunto se minha conclusão faz sentido; se esse egoísmo poderia lhe ferir. Lembro dos retratos, recados em uma caixa em cima do armário, junto com outras juras de amor, todas sem validade. Consigo percorrendo o olhar, definir as suas lembranças.

Conteria minha decisão, iria até sua porta, com a certeza que não teria coragem de pedir que viva tudo novamente, como se eu mesma pudesse sentir, mesmo que não pudesse mais, mas era o que lhe fazia feliz.

domingo, 20 de abril de 2008

Minha pele parecia carregar um cheiro intruso. Minha cabeça trazia recordações constantes que davam vontade de voltar a chorar.

Um só banho não deu conta, sentia-me imunda, imaginando aquelas mãos me alisando. Quase tirava a superfície da pele, de tanto esfregar, arrancando os dedos fora, lacerando os olhos famintos.

Sentia nojo ao lembrar. Nojo de mim mesma, por permitir que a cena acontecesse, apesar de tantos avisos.

De tanto medo, fiquei imóvel, sem saber se alguém escutaria minha voz, caso eu gritasse. Sem saber se me calaria quando me visse diante do espelho, com olhos de raiva ou pavor.

Fiquei imaginando o que sua força poderia me obrigar. Fui diminuindo, diminuindo, ficando cada vez mais vulnerável, mal cabia no vestido.

Ouvindo suas confissões, eu tinha vontade de lhe arrancar os olhos fora. Imaginei o que eles percorriam quando me ensinava um novo termo. Costuraria sua boca, ao saber que os elogios eram sujos de desejo, diferente da candura que tinha quando os pronunciava antes. Algemaria as mãos que um dia me tocaram as mãos, querendo acariciar meu seio.

Qualquer olhar me detinha depois do fato. Tinha a impressão que todos queriam me despir a roupa. Conservava os olhos baixos pra que ninguém notasse, só deixava transparecer as lagrimas que insistiam em deslizar sobre o rosto.

sábado, 19 de abril de 2008

Perdia o controle das mãos. Trêmulas, queriam prender tudo com os dedos, mas faltava-lhe força. Nem mesmo as lembranças ele conseguia segurar.

Inventava uma nova infância, trocava o que fez pelo que gostaria de ter feito.

Devia ser bom ter a liberdade de possuir a vida que se tem vontade. Novos amores, grandes feitos. A tristeza não tem espaço, lágrimas apenas de sono. Nenhum pensamento seria tolido pela moral, nada que aponte se mentiras não são boas.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Sou refém dos meus óculos. Sinto tamanha insegurança ao não tê-los por perto.

Parece que os carros vem mais rápido quando desfoco a luz do farol. Ganho alguns anos pela armação.

Protejo meus olhos, enfeito o contorno das sobrancelhas. Acho todos os elogios falsos.

Há dias em que não gosto de enxergar bem. Gosto de fingir que não vejo, para não cumprimentar ninguém.

Quando devo dar um beijo em cada bochecha, gladiamos armações, debatendo uma contra outra, dando uma desagradável sensação.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Não sei bem qual idéia resolveu sugerir a lembrança para que ela retornasse. Subitamente lembrei-me dos tempos de menina, em que podia acampar em qualquer quintal, sentindo a aventura acelerar o peito.

Logo em seguida, surgiu a dúvida. Com quase certeza a vaidade que tenho hoje não me permitiria momentos tão felizes.

A recordação me trouxe a cena de uma barraca armada no alto de um morro, não muito elevado. Acordamos lá em baixo, sem saber o que havia nos carregado. Ainda de meia, tentamos encontrar os pares dos sapatos que não desceram conosco. Nem sei porque essa lembrança é tão viva, mais presente que os cantos na fogueira que traziam lágrimas. O calor do fogo enxugava algum sentimento em mim.

Não sei se hoje eu encontraria tanta graça em desbravar com um facão em punho um amontoado de bambus. Não sei se teria medo da escuridão dos pernoites.

Pergunto-me o que me levou esse espírito. Simultaneamente temo perder o que me resta de precioso. Espero que o tempo não leve também meu sorriso fresco.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Era um mito para mim. Aparecia somente na televisão, por medida do governo. A situação era tão alarmante que os turistas pararam de descer no aeroporto, por medo de esmorecer durante a viagem.

Para mim, era uma lenda, uma história com moral no final, até que o encontrei, bem na minha sala.

Tinha pernas delgadas, listradas. Fitei sua magreza, seu esqueleto explícito. Tirou-me a reação. Fiquei pensando se ele já estava ali; se já havia me picado no silenciar da noite, sem que eu percebesse, ou se decidira percorrer minhas paredes sem que eu o notasse.

Eu, que quando matava formigas por distração, ficava em silêncio por quase dez minutos, em sinal de compaixão; naquele momento tive que deixar a bondade de lado. A dúvida se ele estava contaminado ou não, não deixara outra saída.

Sem que ele percebesse, fucei em todos os armários a raquete de choque. Era uma medida de emergência.

Travei uma batalha tentando achar uma pilha de última hora. Tirei as que estavam no controle remoto, já no fim de sua carga. Matei-o com um zunido só. Caiu perto da prateleira. O tapete o amparou. Era um inocente pernilongo. Não tive dengue...