sábado, 29 de setembro de 2007

Alçou vôo pondo o peso do ar. Não dava para entender o motivo para escolher pular daquele lugar. Foi andando até a beira e pronto.

Fiquei pensando se não poderia ter pisado em alguma rachadura, ou simplesmente a parede estava caindo e levou ele também. Das vezes em que fui até a Uerj me contive a assistir algumas palestras e só. Admirava a imensidão de prédios intelectuais, o auditório quase subterrâneo, os gatos largados no gramado, mas nunca cheguei a ir até o décimo segundo andar para ver como é pularlá de cima.

Sem sarcasmo queria entender o que houve. Ninguém vai a uma faculdade que nunca cursou só para se matar. Minha curiosidade vai aumentando em vão. A esta hora o corpo já deve estar duro e minha solução não existirá.

Talvez a faculdade usurpasse o tempo de uma relação amorosa. Talvez ele sempre quisesse ter estudado lá, ou simplesmente ele deixou cair algo e tentou pegar. É um mistério que teimo em achar que posso solucionar.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Esse tempo anda me deixando intrigada. Amanhece o céu claro, com os raios solares iluminando tudo. Posso sentir minhas proteínas se desnaturando.

A tarde cai nublada, tenho que desfazer meus planos para o final de semana. O calor não nos abandona. A chuva surge de surpresa e tão rápido vai se embora.

Lá fora negociam-se as cotas de carbono. Projetos para um meio ambiente saudável.

As garrafas pet vão dominar o mundo, e entupirão todas as hidrelétricas. O planeta vai parar.

O calor que permanecerá continuará dando-me a sensação de desnaturação. Quem sabe eu consigo algum crédito de carbono para a minha vaquinha lá do sítio continuar liberando metano.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Dentro de um curso que não acaba nunca, ganho ou perco minhas tardes, dependendo do ponto de vista.

Enquanto as letras são desenhadas em um moderno quadro óptico tento focar minha atenção. Minha distração é inevitável. Acho tão seco o inglês que não tenho vontade de pronunciá-lo. Deve ser trauma dos turistas que freqüentam o Rio e vivem fazendo abordagens inescrupulosas quanto a jantares e motéis, como se eu não soubesse o que eles dizem.

Ficam ali todos repetindo os fonemas. A professora parece reger um coral, e todos parecem tropeçar na pronuncia. Quando paro para pensar, estou eu reproduzindo palavras soltas, simplesmente repetindo, sem querer dizer nada.

Deve existir uma hipnose ou coisa parecida. Eu tento me policiar para entender o que nos faz fazer tamanha insanidade. Imagine vários marmanjos falando ao mesmo tempo uma expressão da ordem, sendo ela “ good luck” ou “ see you again”.

Acho mesmo um tanto quanto estúpido a idéia de me alfabetizar de novo, tendo a certeza de que ninguém no exterior se atreve a pegar nosso Aurélio

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Fui hoje pegar a segunda via da minha carteira de motorista - ou "carta de motorista", como dizem em São Paulo, ou ainda "papel de piloto", como eu acho que dizem no Acre.

Mas enfim. Estava lá, esperando sair a minha senha. E o sujeito ia falando a combinações de letras e números em ordem aleatória: A31... D15... J56...

Quando ele gritou "C29", não me agüentei mais e gritei:
- Bingo!

Não gostaram da brincadeira e eu tentei de novo. Ele disse "E5" e eu gritei:
- Afundou um destróier!

Parece que eles me acharam gaiato. é que na minha vez, no lugar de me entregarem a habilitação, deram-me um disco de vinil do Costinha.

Agora ando por aí com um LP do Costinha no lugar da carteira de motorista. Era só o que me faltava: o meu passaporte já é um vídeo do Ary Toledo.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Resolvi libertá-la de uma história antidiluviana. Ainda tinha cheiro de naftalina, um cabelo permanente. Foi difícil mudar suas gírias, tirar suas plataformas, seus pingentes de paz e amor.

Dei um jeito de vesti-la de amarelo. Um amarelo florescente da moda. Um verde como limão maduro.Havia ficado linda!Lembrava-me uma atriz antiga, com aparência esnobe. Tinha uma trilha sonora para cada romance.

Apagava o luzir de suas estrelas na hora de dormir. Não podia mais tocá-la para não lhe fazer sombra. Seu brilho ofuscava meus planos.

Botei-a em um papel de figurante, contra a regra obstante. Roubava a cena mesmo assim.

Os holofotes miravam-na com destreza. Do alto de seus saltos, tentava logo formular um espetáculo instantâneo, mas caía no erro da concordância.

Dei um show de improviso. Borrifei água no liso da escova dos cabelos. Errei a mira e taquei em sua face o puro líquido. Vi suas rugas surgirem, desfazendo-se o sorriso paralítico de botox. Foi assim que a matei. Fico pensando se foi o flúor, o cloro radioativo da água, ou mesmo a raiva do ciúme.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Gosto de me auto-medicar. Na verdade, sou péssimo com isso. Sempre confundo os nomes dos remédios.

Agora, atacado por uma gripe meio estranha, abri a gaveta dos remédios, coloquei a mão lá dentro e escolhi qualquer coisa, ao acaso. Peguei um band-aid. Não sei se era bem o que eu precisava. Eu pensava em tomar um comprimido, sabe? De qualquer modo, engoli o band-aid com a devida ajuda de um copo d'água.

Tem alguma química na composição do band-aid que me fez começar a ver coisas.

Primeiro, vi o meu quarto se encher de água do mar. Não sei se isso foi influência do Joseph Conrad que estou lendo, ou se foi o aquecimento global que finalmente fez o nível do mar subir até o segundo andar, onde moro.

Depois, vi nadar por ali um papagaio-marinho. Foi aí que eu estranhei: "Que eu saiba, não existem papagaios-marinhos. Talvez isso seja mesmo alucinação causada pela ingestão do band-aid.

"Até que a viagem de band-aid não foi tão ruim. Mas também não chegou a me curar da gripe. E agora eu tenho que freqüentar um desses grupos de ajuda para pessoas que viciaram em engolir band-aids. Só por hoje.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Praticando o hedonismo, estendo o corpo sobre a pedra; tomo um banho de lua admirando as estrelas e o céu sem nuvens, transcendendo a pressa habitual.

Volto para casa leve, com a frescura da brisa que me toca. Lá de fora venço o medo do amanhecer. A lua logo dá lugar ao sol. A luz me descobre, não posso fingir. Ponho uns óculos escuros e vou caminhar, fantasiando a idéia de que não irão me reconhecer.

Por um segundo eu quis ter a previsão do futuro. Imagine poder saber se ainda existe pensamento entre nós dois, se ainda existe um fio que nos liga transmitindo a vontade de prender o sentido em uma redoma para proteger da voracidade do destino que desconhecemos.

Minha filosofia de prazer apresenta-se na adivinhação e disposição de novas idéias. Tenho poderes em mente. Além da previsão posso até mudar as coisas de lugar sem que precisem saber que faço isso com as mãos ao em vez de deslocá-las com o pensamento. Os fins justificam os meios. Seria tão tolo observar a verdade com olhos racionais, melhor é ver logo o grand finale com magia, faíscas saltando dos olhos. Olhar o inexplicável é crer que tudo é possível.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Pude sentir a liberdade invadindo a porta. As paredes não impediam a energia de entrar. Sentia tanta força, como se pudesse voar.

Percebia os substantivos de outra forma. Cada árvore que via da janela tinha vida. Desci e fui pisar no asfalto para encontrar a razão de tanta mudança. Deparei-me com uma ventania que desarrumava o cabelo,atrapalhando a visão. Debrucei-me por entre os muros. Vasculhei por entre os portões, pedindo licença, dizendo que procurava algo muito especial.

Sentia como se houvesse uma trilha sonora para aquele momento, um Bolero de Ravel ou melodia similar. A música era tão forte que a cada passo que eu dava ouvia uma estridente nota no ouvido, com uma força que contraia os sentidos. Soava meu próprio coração e eu não acreditava no que ouvia.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Gostaria de poder observar meu próprio rosto. Será que evidencio sobrancelhas arcadas, ou danço com os olhos sem saber bem como pousá-los diante de uma afirmação bem ínfima.

Encontro-me como uma personagem da novela das cinco. Juvenil e confusa, entrelaçada entre a dúvida.

Eu me enforco na corda em que eu mesma ando. Parece engraçado a minha dúvida. Tento analisar os fatos sendo muito racional. Sei que é triste acreditar nisso. Eu peso o certo e o duvidoso, no final eu troco tudo, invertendo a conclusão antes feita. É mesmo uma confusão sem tamanho, mal consigo medir os prós e contras. Sigo um impulso tolo e tropeço em minha própria pressa, como se o mundo fosse acabar hoje mesmo.

domingo, 9 de setembro de 2007

Havia um riso frouxo saindo da janela. Quando me debrucei para rir também, tudo emudeceu. Acho que pensaram que eu era outra pessoa,ou era mesmo sobre a minha pessoa a argumentação. Comecei a achar que o bafafá era mesmo sobre mim.

Notei o disfarce nos gestos tensos, tentando dissipar o veneno da língua. Não liguei para os possíveis comentários.

Desci as escadas de casa e dei apenas “bom dia”, esperando ser retribuída. Voltaram a rir, falando em murmúrios, repletas de falta de educação. Deu até vontade de dar-lhes um murro para que o silêncio reinasse durante a minha passagem.

A violência tem me consumido. Tudo me torna feroz. Evito levar para o lado pessoal, ignorando possíveis ambigüidades. Meu lado maniqueísta é que tem mantido minha ordem.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Vi-me encurralada entre os sinais de trânsito. Queria um herói; alguém com capa e tudo!

Queria ser salva. Defesa é algo que todos preferem não praticar.

Não adiantou fazer minhas aulas de jiu-jitsu. Não posso reagir a um assalto nem falar mal de um boçal. A sociedade me reprime entre sorrisos e cochichos insubordinados. Planejo resgatar os heróis da tela do cinema. Admiro seus penteados após a luta! Golpes tão ligeiros e nenhum hematoma.

Ah! Como eu queria ter dinheiro o suficiente para contratar um segurança desses, se duvidar ainda poderia ser meu amante com uma fantasia própria. Capa e calção! Nada mais fashion! Sairia sobrevoando a cidade rindo dos pobres mortais, esquecendo até que eu sou bem humana.

Imagine os noticiários? Todos apontando para o céu, morrendo de inveja.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Já tive antes minha chance em Hollywood. Eu era o dublê do Bruce Lee. As cenas muito, mas muito perigosas mesmo, era eu quem fazia. Como aquela em que ele come um misto quente velho na rodoviária.

Fui chamado porque, embora em geral seja completamente diferente do Bruce Lee, eu tinha o polegar da mão direita absolutamente igual ao dele. Então, o diretor precisava filmar em planos bem fechados no polegar, para que ninguém notasse que se tratava de um dublê.

Eu estava indo bem, era o meu caminho para a fama e o sucesso. Foi aí, como sempre, que eu fiz besteira. Note, no entanto, que eu fui muito bem-intencionado. A cena era simples: eu deveria entrar na torcida do Malutron usando uma camisa do Bangu. Mas eu achei que poderia acrescentar algo à cena, dar um toque pessoal, construir personagem e aquela coisa toda.

Por isso, coloquei um esparadrapo na ponta do polegar. O diretor ficou furioso: "o polegar do Bruce Lee não tem esparadrapo!", ele gritava. Tentei explicar que havia me baseado na obra de Tennessee Williams e que o esparadrapo daria mais veracidade ao personagem. Tentei fazê-lo entender que, sem o esparadrapo, o protagonista ficava muito unidimensional. Tentei até tirar o esparadrapo, mas ficou uma marca no dedo e o diretor me expulsou do filme.

Depois disso, o máximo que consegui foi uma ponta num filme do Kevin Costner. O filme era bem ruim, mas pelo menos ele deixou eu ficar de esparadrapo no polegar. Se a cena não tivesse sido cortada, acho que minha carreira finalmente teria deslanchado.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Ganhei o domingo visitando as crianças.

Um ato beneficente. Eu mesma era a contemplada. Talvez elas nem lembrem meu nome ou esqueçam meu rosto. Não importa, nada substituiria a cena da porta do salão se abrindo e todas as crianças vindo em nossa direção. Achei que minha preferida não iria me reconhecer, porém veio me abraçando a perna com entusiasmo querendo logo que eu a pegasse no colo e fossemos brincar.

Sentia a magia lúdica agitando minhas pernas. Meu sorriso era inevitável. Envergonhava-me por brincar só com ela, então juntei mais dois para rodar também.

O lanche foi logo servido. Eu tratava de distribuir os sucos nas pequenas mesinhas. Botava as mãozinhas para serem lavadas em fila. Era bom ver a alegria por uma simples visita.

Queria saber o que se passa naquelas pequenas cabeças raspadas ou cheias de lacinhos. Seus desenhos seriam formas simples de se desvendar. Decifrava a ausência de cores, os traços assimétricos. Não percebia grandes temores. Em minha audácia usava uma psicologia barata para entender os lápis em ação. Fazia maior sentido para mim, elas não davam muita atenção para a convicção dos meus olhos observando cada borrão. Procurava qualquer pista para entender o passado e os medos. Elas pareciam fortes e tão felizes que tive que achar outra distração.

Animava-me a vontade de dançar, pular e comer. Tudo ao mesmo tempo. Sorte das crianças que esquecem com rapidez a negação que a sociedade pronuncia. E eu achando triste não ter couve no almoço ou suco de melancia. Sou tão tola! Sorte que tenho a infância ao meu alcance.

domingo, 2 de setembro de 2007

Ando ocupado no meu novo livro. Eu ia escrever qualquer coisa sobre "Como Ganhar na Loteria". Um livro assim poderia me deixar rico. Bastava que, antes, eu ganhasse na loteria pra saber como se faz. Em seguida, era só escrever o livro e ganhar os royalties e tudo mais.

Nunca levei adiante esse projeto. Por mais que eu tente, não consigo acertar na loteria. Mas até que me dei bem em uma ou outra partida de par-ou-ímpar, apesar de ser péssimo na grande maioria dos outros jogos. Por isso, resolvi passar a minha experiência para o mundo.

Meu próximo livro é "352 Estratégias de Par-ou-Ímpar". Escolhi o número 352 ao acaso, porque acho que pode impressionar. Mas está bastante difícil chegar a mais de duas estratégias - e ainda assim, nenhuma das duas é infalível.

A primeira estratégia consiste em pedir "ímpar". A segunda, em pedir "par".

É um jogo difícil. São poucos que conseguem acertar sempre. Talvez facilite se você tiver seis dedos em uma das mãos, embora eu ainda não saiba como.

sábado, 1 de setembro de 2007

Desponta o dia. Quero logo desvendar as ruas. Um passeio entre as calçadas rachadas para ter inspiração logo pela manhã.

Jamais entendi o porquê de não poder cumprimentar estranhos. Só eu reconheço a vontade que tenho de sair correndo cantando alguma coisa que ninguém conhece, sorrindo displicente. Essa distância não me comove. Esbarro nos transeuntes só para ter desculpa para falar. Meu ato estranho parece fazer efeito. Vou me desculpando enquanto corto o caminho que não tenho.

Saio caminhando, buscando uma nova vítima para meu golpe chulo. Minha intenção de roubar palavras é inocente, quase infantil.

Divirto-me sozinha como se estivesse enlouquecida. Reconheço que este silêncio me incomoda e cutucar alguém simplesmente seria bem curioso. Por sorte ninguém desconfia! Meu sorriso extenso preenche a vontade deles de me ofender por um humilde esbarrão. É o que eu suponho, já que nunca ouvi tamanho insulto. Tomo cuidado de reconhecer os estranhos para não cometer o mesmo ato duas vezes. Assim vou socializando com a individualidade urbana, atacando seu silêncio para que não ocorra mais.