segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Minhas manias estão escondidas em um caderno. Faço uma lista de coisas para não se fazer. Simplesmente manter grandes as unhas, evitar cachorros, desviar da faixa de pedestres, acenar para homens de terno.

Estando em companhia, estremeço-me para parecer normal. Falo em voz baixa minha palavra da sorte, depois digo que foi um soluço.

Passo despercebido entre a multidão, fumando com a mão direita esticada, com o dedo mindinho indicando o caminho.

Tenho vícios praticamente patológicos. Gosto de anos pares, pois acho que combinam com o número de letras do meu nome. Que acendam os fogos para a minha sorte durar por um ano.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Contrariando meu feminismo, exponho uma opinião frágil. Tenho que casar. O padre não me causa aflição, a sogra não me preocupa. Gostaria de desvendar os mistérios após o matrimônio.

Com o passar do tempo, a mulher é um adorno domiciliar. Cada aniversário um novo utensílio. Nada de perfumes ou lindos vestidos. Uma prática geladeira, uma batedeira útil. Objetos para lhe atar à casa.

Na lua de mel, uvas levadas até a boca, massagem com óleo de patchouli, hidromassagem e champanhe. Um spa com direito a luz de velas. Voltando para casa, os copos ainda estão na pia engordurada como os deixaram.

Ao receber visitas, só ela não nota como combina as roupas com as paredes da sala, as cores da sombra com o estofado do sofá. Seu sorriso vai se camuflando com a moldura do espelho, e então ela vira um monumento erguido na cozinha.

sábado, 22 de dezembro de 2007

O motorista fica avaliando as caretas de quem faz força para abrir a porta que não é automática. Lá dentro todos se divertem sem pensar em ajudar.

Sento-me recolhida, perto da janela. Vejo a árvore apagada da Lagoa, muito charmosa em suas vigas. Os pedalinhos de cisne estão estacionados na beira, esperando que a ameaça de chuva vá embora, trazendo os turistas eufóricos de novo.

Todos os sinais estão fechados pelo caminho. A cada parada, notava as plantas vivas, verdes com cor de verão, com flores bem abertas. O vidro impedia que eu as tocasse.

Fiquei pensando na história de derrapar e cair de van no lodo da lagoa. Adrenalina barata.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Ando sempre com pressa. Mostro-me desta forma para que os olhares não me capturem com cuidado. A cidade cresce e gera trabalho aos pedreiros, que nos horários de almoço deixam os olhos pairando em ancas desavisadas ou atrevidas.

Minha maneira é diferente, sem etiqueta. Atropelo em reboliço aqueles que ousam cruzar as ruas comigo. Não que minha beleza seja efetiva, apenas temo atropelá-las com minhas pernas gigantes.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Meu carro parece mais molhado que os outros. A chuva cai sobre o vidro da janela, impedindo a visão. As gotas formam um pequeno mosaico; brinco de descobrir um desenho entre os pontos que se formam.

Tenho aprendido muito nesses últimos dias. Não perco a paciência em ter que repetir as mesmas palavras. Diante de senhores e senhoras, aprendo com a memória falha; atuo em perfeita performance mostrando a minha surpresa em diversos ângulos. A idade chega e rouba a noção, impera a ingenuidade em repetir como se nunca tivesse sido dito antes.

No saguão do hospital (quase um hotel) ora fico muda, ora desembesto a falar. Incomoda-me a forma como as apresentações são feitas. Sorrisos, saudações carismáticas até a maca surgir pelo corredor e levar a emoção, contendo a todos.

Acaricio o rosto macio penso na possibilidade de que possa ainda ouvir apesar de tantos sensores pelo corpo. Seus estímulos permanecem nulos, mas teimo em sentir que a palavra é viva, e passeia pelo sangue ativando os neurônios.

Aguardo os olhos se abrirem, para que leve o susto embora. Torço pela vontade, pela perseverança. Amanheço com o sonho ainda nítido, você ainda me conta sobre a sua infância, sobre os tempos mudados. É a palavra que digo e me aciona os sentidos.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Há promoções para todos os gostos. Picolés com i-pods sugerem uma nova forma de trafico. Imagino cocaína congelada com sabores variados. Minha critica vai se limitar aos meus pensamentos.

De uns tempos para cá a novidade tem se aplicado para acompanhar a velocidade atual. A televisão digital se atrasa no Rio. Creio que São Paulo está sendo usado como cobaia para posteriormente chegar ao Rio de Janeiro, sem defeitos ou imagens distorcidas.

Meu entendimento é cerceado. Não conheço o Nordeste além de suas praias. Existe uma troca simultânea entre duas metrópoles ligadas pela Dutra. Eu a conheço mesmo sem lembrar de suas paisagens e engarrafamentos.

O Brasil de muitas nacionalidades acaba me embaralhando em seus sotaques. Eu mesma, carioca, pronuncio tanto as vogais que não me consideram tal.

Os anos passam, trocam as modas, as novelas. Cada dia que passa, sinto a inutilidade no meu empenho. Tento lembrar como estava a arvore de natal da Lagoa, não me recordo. A lembrança se mistura com a vontade e tudo passa sem que a memória consiga recordar. A velocidade gera certa amnésia. A informação simultânea me confunde e faz com que eu esqueça.

Esqueço a distância pela facilidade de se comprar passagem aérea. Esqueço que o dia tem hora fixa, e mesmo acordando as seis, vinte e quatro horas são relativas.

Atarraco muitos pensamentos. A novidade se esforça para unir fragmentos. Digo coisa nenhuma com freqüência. Chego a ser incoerente. Sou parte do produto abreviado que diz tudo pela metade.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Espantei-me com a ignorância escancarada. Surgiu um crustáceo em minha frente, ameaçando querer beliscar meu dedo mindinho. Não soube dizer se o que vi era um caranguejo ou um siri; perguntei com discrição, mas a resposta não veio. Acabei me confortando em não saber sozinha.

Cachorros se afogavam nas ondas. Pombos queriam meu coco. A manhã era dos bichos. Todos os homens eram porcos. Eu me contorcia feito cobra tentando achar uma posição para ler.

Disfarcei-me de turista, pintando a pele de vermelho por raio ultravioleta. Acabo envelhecendo alguns anos entre as pintas, mas me sinto linda molhando os pezinhos para não ter choque térmico.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Pedro gostava de ir ao cinema. Adorava o Almodóvar, só por que tinha o mesmo nome que o seu, ficou sendo seu apelido. Passava horas na internet burlando a lei para nutrir seu vício.

Trabalhava numa gráfica em que xerocava tudo ao contrário. Seu chefe passava a tarde tentando explicar como mexer no papel. Permanecia no emprego pela sorte de ter o chefe como cunhado.

Augusto era casado com Genalva, mas tinha revistas impróprias no banheiro. Foi tamanho o espanto de Pedro ao abrir o armário perto da pia, e encontrar a Mônica Veloso estampada na capa, com a cadeira lhe tapando o mínimo. Desde então Augusto passou a mimá-lo, aumentou até o salário. O silêncio sempre lhe foi lucrativo.

Todas as tardes antes de ir ao trabalho, Pedro passava em frente à locadora para ver quais eram os filmes que não conhecia, Por tantas vezes cruzar pela mesma porta, deu de cara com a graça da balconista. Apaixonou-se pela idéia dela saber o nome de todos os filmes. Gostava de chamá-la por Sofia Loren, sem que ela percebesse ou manifestasse reação.

Genalva aparecia no final de semana, com um embrulho de pão de cebola, exibindo o orgulho de quem mesma o fizera. Sentava no sofá florido da sala e punha-se a falar; dizia que Augusto desfiava elogios todos os dias. Mal sabia ela do armário da pia do trabalho.

Durante a noite de domingo Pedro abusava da boa vontade da irmã. Havia escolhido alguns filmes para assistir. Depositava os pés na cadeira de plástico, estrategicamente posicionada, e pedia para Genalva ir fazer a pipoca, trocar o filme, aumentar o volume.

Em um domingo chuvoso, Genalva notou um olhar diferente no irmão. Seus olhos caídos emudeceram a preocupada fala. Com muita cautela, Genalva perguntou o que havia acontecido, ele respondeu: Sofia Loren, Sofia Loren; e saiu pela porta sem dizer para onde iria.

Pedro estranhamente trocou o elevador pela escada, assustando o porteiro ao sair pela porta que nunca se abria. Foi até a locadora para encontrar sua protagonista predileta, Ele havia decidido alugar um filme, deixando de lado a pirataria.

Chegou à loja, entrou sem aparentar nervosismo. Percorreu os olhos pelas prateleiras com os olhos luzindo. Por um segundo sua memória foi para bem distante, nos tempos de criança, quando assistia Aladim nos feriados de chuva. A nostalgia cessou quando a luz faltou, uma voz masculina veio acudi-lo na escuridão. Sem saber o que fazer, disfarçou, ligou para casa e disse: Genalva vem me buscar que estou odiando este lugar! Estou na locadora da esquina, mas não vejo nem mesmo a maçaneta.

Passado o vexame, Pedro quase dormia deitado no tapete manchado da sala. O interfone tocou, Genalva foi atender e pediu que alguém subisse, exclamando lá de dentro da cozinha que uma amiga viria ver o último filme do domingo. Sem saber quem viria Pedro nem arrumou os cabelos.

Genalva abriu a porta acendendo a luz, dando dois beijos de bochecha, apresentando a amiga como Penélope. A fotofobia impediu que ele a reconhecesse de imediato. Era sua Sofia, que o abandonara na escuridão com os clássicos. Mal pode acreditar que seu nome era Penélope. Passou a chamá-la de Penélope Cruz, a queridinha do Almodóvar. Ficaram os apelidos entre os chamegos de domingo à tarde.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Devo recorrer à história para citar revoluções. Espero um dia pintar o rosto e uma cartolina com palavras válidas.

Sempre gostei de falar alto em tom autoritário para testar a emoção dos outros. Os temperamentos estão mornos, todos nadam na tendência.

Atento pelas crianças que gritam nos balanços no parque enquanto os pais divorciados paqueram uns aos outros. Concluem o estado cíclico da novidade.

Penso no futuro estático, suas classes, suas mentes, na pequeneza dos atos se perpetuando no tempo. Olhos arregalados denunciam minha ação reacionária.

Não queimaria soutiens pelas ruas, nem mesmo pneus. Queimo biscoitos no forno enquanto canto música antiga. Meus ideais são preservados na minha contrariedade. Minha voz miúda ganha força entre conversas inocentes nas tardes tediosas de domingo. Assim não morro, vivo nos ouvidos dos outros.