Meu carro parece mais molhado que os outros. A chuva cai sobre o vidro da janela, impedindo a visão. As gotas formam um pequeno mosaico; brinco de descobrir um desenho entre os pontos que se formam.
Tenho aprendido muito nesses últimos dias. Não perco a paciência em ter que repetir as mesmas palavras. Diante de senhores e senhoras, aprendo com a memória falha; atuo em perfeita performance mostrando a minha surpresa em diversos ângulos. A idade chega e rouba a noção, impera a ingenuidade em repetir como se nunca tivesse sido dito antes.
No saguão do hospital (quase um hotel) ora fico muda, ora desembesto a falar. Incomoda-me a forma como as apresentações são feitas. Sorrisos, saudações carismáticas até a maca surgir pelo corredor e levar a emoção, contendo a todos.
Acaricio o rosto macio penso na possibilidade de que possa ainda ouvir apesar de tantos sensores pelo corpo. Seus estímulos permanecem nulos, mas teimo em sentir que a palavra é viva, e passeia pelo sangue ativando os neurônios.
Aguardo os olhos se abrirem, para que leve o susto embora. Torço pela vontade, pela perseverança. Amanheço com o sonho ainda nítido, você ainda me conta sobre a sua infância, sobre os tempos mudados. É a palavra que digo e me aciona os sentidos.
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