quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Calculei mal a hora. Elaborei o cardápio com muito capricho, mas não dei atenção aos ponteiros.

Comi folhas com as mãos. Penteei o cabelo. Fisguei o nhoque com o garfo em formato de tridente. Troquei de roupa uma dúzia de vezes. Engoli o suco. Calcei os sapatos. Lavei a louça. Escovei os dentes. Saí pela porta de trás, levando o lixo para fora.

Corri para o ponto do ônibus. Não deu tempo de chegar até a outra calçada. No meio da rua subi as escadas do veículo, tropeçando entre o segundo e o terceiro degrau, me segurando na roleta.

Há três meses não sou legitima. Enrolei tempo bastante para renovar minha carteira de identidade. A maioridade não moldou meus adiamentos.

Cheguei ao shopping esperando ser recebi com categoria. Havia posto lápis nos olhos para sair bonita na foto. Chegando ao segundo andar, vi muitos bancos ocupados, fiquei pensando como era bom ver tanta gente aproveitando a tarde para passear no meio da semana. Contente, fui até a porta do Detran, um homem barrou minha entrada dizendo que eu deveria entrar na fila. Olhei para onde ele apontava e notei que era para o último banco.

Conformei-me em voltar outro dia. Dei uma volta entre os mendigos no centro. Apaixonei-me por um par de sandálias, mas tive que abandoná-las na vitrine.

Resolvi voltar para casa. Fiquei esperando o ônibus, imaginando uma canção para embalar a espera. Um homem veio correndo com uma bolsa na mão, empurrando-me em direção ao asfalto. Meu ônibus chegou e me levou até a esquina, entre suas rodas.

Não acharam nenhum documento. Eu era um indigente. Uma multidão se aglomerava ao meu redor, um homem falava ao telefone disfarçando a voz; destacava-se entre os outros pelos óculos escuros. Uma voz gritava no celular, chamado à ambulância. A ambulância chegou minutos depois. Meu corpo foi posto na maca. Não fui para o hospital. Acordei na sala de anatomia com minha irmã examinando minhas lindas unhas.

Nenhum comentário: